Devotos celebram São Jorge e Ogum em festa sincrética no Rio de Janeiro, unindo catolicismo e religiões de matriz africana em demonstrações de fé e devoção.
Créditos : Agencia Brasil
No coração do Rio de Janeiro, a fé transcendeu barreiras e uniu crenças em uma vibrante manifestação de devoção. Vindos de todos os cantos da cidade, milhares de fiéis se reuniram para celebrar o dia de São Jorge, um evento que se entrelaça profundamente com as tradições do orixá Ogum, em um sincretismo religioso que pulsa nas veias da cultura carioca. Maria Rosa, residente de Vista Alegre, zona norte da cidade, personifica a devoção que move multidões. Como em todos os 23 de abril, ela buscou na Igreja de São Jorge o amparo para as dificuldades que enfrenta. “Venho pedir força e saúde. Preciso de um trabalho para ajudar meu pai, que luta contra um câncer de pele, e dar suporte à minha mãe, que sofre com dores”, compartilhou Maria, evidenciando a fé como um alicerce em momentos de provação.
A espera para adentrar a igreja formava uma extensa fila, serpenteando por quarteirões. Sob o sol intenso, os devotos aguardavam pacientemente, alimentando a esperança de renovação espiritual. Leonardo Nascimento, funcionário público, emergiu da igreja com os olhos marejados e a respiração embargada. “A energia aqui é surreal. Saio sempre emocionado. Estar na igreja, imerso na fé e na presença do santo, é inexplicável”, expressou Leonardo, ressaltando a força da tradição em sua vida. “Minha ligação com São Jorge vem da infância, por influência da minha família, especialmente minha mãe. É algo que me toca profundamente e me dá forças para seguir em frente, mesmo diante das adversidades”.
Do lado de fora, em frente ao palco principal, os fiéis eram acolhidos com um banho de água benta. O seminarista Marco Paulo Telles, com sua veste preta encharcada de suor, dedicava-se a aspergir a água sagrada sobre a multidão. “É gratificante testemunhar a devoção do povo. Este processo de formação para o sacerdócio me permite crescer no amor ao próximo e à pastoral. Apesar do calor e das longas filas, as pessoas fazem questão de estar aqui. Ao aspergirmos a água benta, também recebemos a bênção deles”, declarou Marco, destacando a reciprocidade na troca de fé. A poucos metros dali, representantes de religiões de matriz africana ofereciam um ritual de purificação singular. Vestidos com trajes brancos adornados com rendas e colares coloridos, distribuíam sorrisos e uma limpeza especial. Os participantes recebiam, inicialmente, um banho com água extraída de folhas de aroeira. Em seguida, eram aspergidos com arroz, símbolo de equilíbrio; sementes de girassol, para atrair prosperidade; e milho, representando fartura e sustento, em reverência ao orixá Ogum.
O babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, explicou a importância da data para promover a interação entre as religiões e democratizar o acesso aos rituais. “Uma limpeza de corpo completa geralmente tem um custo elevado. Por isso, trazemos essa prática para a rua, para que as pessoas mais necessitadas possam receber um axé rápido e uma energia positiva”, afirmou Luiz. “Hoje, reverenciamos São Jorge e Ogum, e o povo demonstra grande respeito por ambos. Padres e babalorixás compartilham o mesmo espaço em harmonia”.
Julia Firmino Rosa, manicure e umbandista, personifica o sincretismo religioso presente na celebração. Acompanhada de sua família, ela seguiu o ritual completo da festa de São Jorge. “Todos os anos, repetimos o mesmo ritual. Primeiro, assistimos à missa. Depois, entramos na fila para agradecer na igreja. Na saída, recebemos o banho do orixá aqui do lado”, relatou Julia. “São Jorge é um santo muito importante para nós, somos muito devotos. Viemos agradecer pelas bênçãos e pela saúde”.
A celebração de São Jorge e Ogum no Rio de Janeiro transcende uma simples festa religiosa. É um mergulho na alma da cidade, onde a fé se manifesta em diversas formas e a união entre diferentes crenças se torna um espetáculo de cores, sons e emoções.
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