Auditoria interna do INSS identificou falhas em acordos de descontos em benefícios previdenciários antes de operação da PF, revelando inconsistências e irregularidades nos processos. A situação levou à suspensão dos acordos e afastamento de dirigentes, impactando milhares de beneficiários e aumentando a demanda por cancelamentos de cobranças.
Créditos : Agencia Brasil
Meses antes da deflagração da operação conjunta entre a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU), que visava investigar um esquema de descontos não autorizados em benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a própria auditoria interna da autarquia já havia identificado inconsistências e irregularidades nos acordos firmados com organizações da sociedade civil. O Acordo de Cooperação Técnica (ACT) é o instrumento legal que permite ao INSS autorizar o desconto de mensalidades associativas diretamente dos benefícios previdenciários, repassando integralmente os valores a associações, confederações ou entidades representativas de aposentados e pensionistas que concordem com a cobrança. A fiscalização interna revelou que o processo de formalização e operacionalização desses acordos não cumpria integralmente os requisitos estabelecidos.
Um relatório de inspeção da Auditoria-Geral na Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão apontou falhas nos procedimentos. A auditoria foi solicitada pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, no início de maio de 2024, quase um ano antes da operação da PF e da CGU que resultou na suspensão dos ACTs e dos descontos automáticos, mesmo com a autorização dos beneficiários. A Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão é uma das áreas do INSS sob investigação na Operação Sem Desconto. Diante das suspeitas, Stefanutto e o então responsável pela diretoria, Vanderlei Barbosa dos Santos, além de outros três dirigentes da autarquia, foram afastados de suas funções. Stefanutto foi posteriormente exonerado do cargo.
O INSS ainda não tem dados precisos sobre o número de aposentados e pensionistas prejudicados, nem sobre o montante total cobrado indevidamente. No entanto, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o instituto recebeu mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de cobranças, a maioria justificada pela falta de autorização dos beneficiários ou de seus representantes legais. Do total de 1.163.455 tarefas de exclusão de desconto, 73.848 se referem a descontos autorizados; 33.317 apresentavam informações insuficientes sobre a autorização; e 1.056.290 (aproximadamente 90,78%) indicavam a não autorização do desconto associativo. Muitos beneficiários alegaram desconhecer as entidades para as quais os valores estavam sendo transferidos.
Para verificar a validade das autorizações, a Auditoria-Geral selecionou aleatoriamente 603 requerimentos e constatou que, em 329 casos, as entidades não apresentaram a documentação comprobatória necessária. Nos 274 casos em que os documentos foram apresentados, a auditoria ressaltou que a aparente regularidade formal não garantia a real intenção do segurado em autorizar o desconto, considerando o grande número de pedidos de exclusão de mensalidades. O sistema de desconto de mensalidades associativas em favor de entidades autorizadas pelo INSS está em vigor desde 1991, com a Lei de Benefícios da Previdência Social. Os valores movimentados por meio dessa cooperação cresceram significativamente ao longo dos anos. Em 2016, foram descontados R$ 413 milhões; em 2017, R$ 460 milhões; em 2018, R$ 617 milhões; em 2019, R$ 604 milhões; em 2020, R$ 510 milhões (devido à pandemia); em 2021, R$ 536 milhões; em 2022, R$ 706 milhões; em 2023, R$ 1,2 bilhão; e, no ano passado, R$ 2,8 bilhões.
Considerando os mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de cobrança recebidos entre janeiro de 2023 e maio de 2024, os auditores calcularam que o desconto médio foi de cerca de R$ 39,74, podendo ser maior em alguns casos, dependendo do percentual estabelecido em cada ACT. As irregularidades apontadas pelos beneficiários indicam que a conveniência e o interesse público na manutenção das parcerias não foram assegurados, considerando os custos e o impacto no atendimento ao cidadão pelo INSS. O relatório conclui que os descontos não autorizados impactaram a fila do INSS, aumentando o volume de trabalho dos servidores devido aos pedidos de cancelamento. O relatório, divulgado recentemente, faz nove recomendações, principalmente à Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, incluindo a reavaliação do processo de implantação dos descontos associativos, a verificação das autorizações de cobrança e a análise da conveniência de suspender novos descontos até a revisão completa do processo, o que não foi feito.
Durante uma reunião do Conselho Nacional da Previdência Social, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, informou que a pasta e o INSS iniciaram a verificação das denúncias em junho de 2023. Segundo Lupi, em março de 2024, antes da conclusão da auditoria na Diretoria de Benefícios, o ministério e o INSS instituíram novas regras para o desconto de mensalidades associativas, chegando a suspender novas operações. Lupi declarou que não houve omissão por parte do governo e que medidas foram tomadas para tentar conter a fraude.