Comunidade quilombola celebra a memória de Mãe Bernadete, assassinada há dois anos, e clama por justiça. Filhos e lideranças reafirmam o legado da defensora dos direitos humanos e cobram ações para proteger comunidades ameaçadas. Ministra dos Direitos Humanos marca presença e reforça o compromisso do governo com a causa quilombola.
Créditos: Agencia Brasil
Em meio à profunda dor, a chama do legado de Mãe Bernadete Pacífico, figura emblemática na luta pelos direitos quilombolas, persiste acesa. A frase que ecoa entre aqueles que tiveram suas vidas tocadas por sua liderança ressoa forte: ‘Mesmo diante de tanta dor, o legado continua’. No último domingo, a comunidade se reuniu para homenagear a memória de Mãe Bernadete, exatamente dois anos após seu brutal assassinato em sua própria casa, sede da associação quilombola na comunidade de Pitanga do Palmares, município de Simões Filho, Bahia.
No dia 17 de agosto de 2025, a comunidade quilombola se uniu em um ato de celebração e reivindicação. As homenagens tiveram início com um tradicional café quilombola, seguido por celebrações religiosas que refletiam a essência e as crenças de Mãe Bernadete. Uma missa ecumênica precedeu a Roda de Oxumaré, orixá de devoção da líder quilombola, em um momento de profunda conexão espiritual e respeito à sua memória.
Visivelmente emocionado, Jurandir Wellington Pacífico, filho de Mãe Bernadete, compartilhou a dor da perda e a dificuldade de seguir em frente. ‘Não é fácil. Eu só quero dizer que não é fácil estar nesse lugar, não é fácil não conseguir dormir todos os dias’, desabafou, expressando o sofrimento que a ausência da mãe ainda causa.
Mãe Bernadete foi assassinada a tiros em agosto de 2023, um crime que chocou o país e expôs a vulnerabilidade dos líderes quilombolas. Ela desempenhava um papel crucial como coordenadora nacional de articulação de quilombos e líder do Quilombo Pitanga do Palmares. Sua atuação em defesa do meio ambiente e dos direitos da comunidade a colocou em confronto direto com madeireiros e traficantes de drogas que atuavam na região.
A história de violência que assola a família de Mãe Bernadete é ainda mais trágica. Antes de sua morte, Jurandir já havia perdido o irmão, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, assassinado a tiros dentro de seu carro, também em Pitanga do Palmares. Mãe Bernadete dedicou anos de sua vida na busca por justiça para o filho, uma luta que, infelizmente, não teve um final feliz.
‘Eu fiz um juramento. Minha mãe morta com 25 tiros. Vou largar tudo que tenho, toda minha vida acadêmica, para continuar o seu legado’, declarou Jurandir, em um discurso emocionado diante da comunidade, reafirmando seu compromisso em dar continuidade ao trabalho da mãe.
Em um marco importante, a terra da comunidade quilombola foi reconhecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2024, após o assassinato de Mãe Bernadete, um reconhecimento que representa uma vitória para a comunidade e um passo importante na garantia de seus direitos territoriais.
Cinco pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público por suspeita de envolvimento no assassinato de Mãe Bernadete. O julgamento popular ainda aguarda data para acontecer, e a comunidade quilombola espera que a justiça seja feita e os responsáveis sejam punidos.
As homenagens contaram com a presença da Ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, que reafirmou o compromisso do ministério em defender os direitos da comunidade quilombola. ‘A gente precisa estar aqui com esse compromisso, que é compromisso de vida, que está ligado ao fortalecimento da nossa comunidade quilombola e está ligado a garantir a soberania e a democracia do nosso país. Sem democracia, não tem vida para nossa comunidade’, enfatizou a ministra.
Macaé Evaristo também ressaltou que lideranças indígenas e quilombolas representam a maior parte dos defensores de direitos humanos no programa de proteção do ministério. ‘O número maior de casos que temos dentro desse programa de proteção é de pessoas que lutam pela manutenção do seu território. São lideranças indígenas, são lideranças quilombolas, lideranças de terreiro, lideranças que estão lutando contra a mineração em muitos estados do nosso país’, detalhou.
O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) tem como objetivo articular medidas para a proteção de pessoas ameaçadas em decorrência de sua atuação na defesa dos direitos humanos.
A frase ‘Mesmo diante de tanta dor, o legado continua’ foi repetida tanto por Jurandir quanto pela ministra e entoada pelos membros da comunidade presentes, simbolizando a força e a resiliência do povo quilombola.
Um levantamento realizado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global revelou que, de 2019 a 2022, o Brasil registrou 1.171 casos de violência contra defensores de direitos humanos, com 169 pessoas assassinadas. Esses números colocam o Brasil entre os países mais perigosos do mundo para quem defende os direitos humanos.
Entre 2023 e 2024, um novo levantamento apontou para uma queda nesses índices, com 486 vítimas, das quais 55 foram assassinadas. As organizações alertam, no entanto, que mesmo com a redução, a frequência das violações continua alarmante: em média, uma pessoa sofre violência por defender direitos humanos a cada 36 horas no Brasil, um número que exige atenção e medidas urgentes para garantir a segurança e a proteção dos defensores de direitos humanos no país.