Do deserto à abundância: A revolução verde da agricultura familiar no sertão piauiense

Em Betânia do Piauí, a agricultura familiar emerge como solução contra a fome e a pobreza, transformando a realidade local através de práticas sustentáveis e inovadoras.

Agricultura familiar em Betânia do Piauí
Créditos: G1

No sertão do Piauí, precisamente no município de Betânia, a 500 km da capital Teresina, histórias de transformação ecoam nos quintais produtivos. Agricultoras locais, antes distantes de alimentos básicos como rúcula, salsa e couve, hoje cultivam uma variedade de hortaliças que desafiam o histórico de secas e insegurança alimentar da região. A iniciativa, impulsionada por um projeto inovador, demonstra o poder da agricultura familiar na luta contra a fome em um país paradoxalmente rico em produção de alimentos.

Betânia, que em 2010 figurava entre os municípios com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Piauí, passou por uma notável mudança nos últimos anos. Programas sociais atenuaram a situação, mas o acesso a uma alimentação diversificada e de qualidade ainda era um desafio. Há apenas cinco anos, a chegada de frutas, verduras e legumes frescos se tornou realidade, graças ao Instituto Novo Sertão, fundado por um visionário que apostou no potencial da agricultura orgânica como motor de transformação social.

O projeto Quintais Produtivos, implementado em 2019, revolucionou a vida de 45 famílias em Betânia. Através de técnicas de plantio sustentáveis, que minimizam o uso de água e dispensam agrotóxicos, a iniciativa não só melhorou a alimentação da população, como também impulsionou a economia local. A experiência de Betânia lança luz sobre o papel crucial da agricultura familiar no combate à insegurança alimentar e na promoção do desenvolvimento em comunidades vulneráveis.

Dados recentes do Ministério do Desenvolvimento Social revelam que, entre 2023 e 2024, cerca de 25 milhões de brasileiros viviam em desertos alimentares, áreas onde o acesso a alimentos frescos e nutritivos é limitado ou inexistente. Em Betânia, a distância de 220 km até o centro de produção de hortaliças mais próximo, em Petrolina (PE), ilustra a dimensão desse desafio. A insegurança alimentar, definida pela ONU como a falta de acesso regular a alimentos seguros e nutritivos, afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da população.

A falta de acesso a alimentos saudáveis, como aponta José Graziano, fundador do Instituto Fome Zero e ex-diretor da FAO, agrava o problema da insegurança alimentar, especialmente entre as famílias de baixa renda. O consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares, gorduras e sódio, está associado ao aumento de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e obesidade. Nesse contexto, o incentivo à agricultura familiar se apresenta como uma estratégia fundamental para garantir a nutrição e a diversidade alimentar da população.

A agricultura familiar, responsável por 62% da produção de hortaliças no Brasil, segundo o IBGE, desempenha um papel estratégico no abastecimento do mercado interno. No entanto, o consumo de hortaliças no país ainda é inferior ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 400 gramas por pessoa por dia. Para Graziano, investir na agricultura familiar significa investir na produção de alimentos essenciais, como frutas, verduras e legumes, que são frequentemente negligenciados em detrimento de produtos básicos como arroz e feijão.

Para que a agricultura familiar alcance seu pleno potencial, é preciso encurtar distâncias e criar canais eficientes de distribuição, garantindo que os produtos cheguem aos centros consumidores. Em Betânia, o Instituto Novo Sertão assume a responsabilidade de coletar os produtos dos agricultores e levá-los à feira local, a Quitanda dos Quintais, um espaço de comercialização que fomenta a economia local e fortalece os laços entre produtores e consumidores.

Além de garantir o acesso a alimentos saudáveis, a agricultura familiar também contribui para o aumento da renda das famílias envolvidas. Em Betânia, a Quitanda dos Quintais fatura entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por mês, proporcionando aos agricultores uma renda média de R$ 300 a R$ 500. Esse dinheiro extra permite que as famílias adquiram outros bens e serviços essenciais, como combustível e alimentos complementares.

Políticas públicas como a merenda escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são instrumentos importantes para fortalecer a agricultura familiar, criando canais de venda para os pequenos produtores. Através do PAA, agricultores familiares vendem seus produtos para o governo federal, estados e municípios, que os distribuem para escolas, hospitais e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Em Betânia, produtores locais já participam desse programa, que passou por cortes orçamentários nos últimos anos, mas vem sendo retomado desde 2023.

O Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), aprovado em março, prevê o aumento do número de agricultores familiares beneficiados pelo PAA, de 85 mil em 2025 para 95 mil em 2027. A iniciativa faz parte de um conjunto de estratégias para reduzir a fome no Brasil. Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), destaca a importância de apoiar a agricultura familiar, oferecendo crédito mais barato e seguro rural, uma vez que os pequenos produtores têm menos poder de barganha com bancos e a indústria.

A escassez de água, um problema crônico em Betânia, agrava a situação de pobreza e fome na região. Para mitigar esse problema, o Instituto Novo Sertão realizou pesquisas e consultorias com universidades e a Embrapa, buscando técnicas de plantio que minimizem o uso de água. A implementação de poços artesianos, cisternas-calçadão, irrigação por pote de barro e sistemas de reuso de águas cinzas demonstra o compromisso da ONG com a sustentabilidade e a adaptação às condições climáticas adversas do sertão piauiense.

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