
Em 1996, o cenário da teledramaturgia brasileira quase presenciou uma reviravolta. Silvio Santos, vislumbrando o potencial de investimento em novelas, articulou a contratação de renomados autores como Benedito Ruy Barbosa, Gloria Perez e Walther Negrão. O acordo previa a transferência desses talentos para o SBT assim que seus contratos com a Globo chegassem ao fim. A iminente chegada de criadores de sucessos como “Pantanal”, “Barriga de Aluguel” e “Fera Radical” representava uma ameaça à hegemonia da Globo no universo das novelas, construída desde a decadência da Tupi.
Diante desse risco, a Globo agiu prontamente, persuadindo o trio a rescindir o acordo com Silvio Santos. Essa postura da emissora em manter autores de novelas sob contratos longos e generosos começou a perder força a partir de 2020, quando a emissora optou por não renovar o contrato com Aguinaldo Silva, mente por trás de fenômenos como “Roque Santeiro”, “Vale Tudo”, “Tieta” e “Senhora do Destino”. Após a saída de Aguinaldo Silva, outros criadores com currículo menos extenso também foram dispensados, como Izabel Oliveira (“Cheias de Charme”), Angela Chaves (“Éramos Seis”) e a dupla Alessandro Marson e Thereza Falcão (“Novo Mundo”).
No final da semana passada, Gloria Perez, após ter uma sinopse reprovada para o horário das nove, engrossou a lista de novelistas que passam a trabalhar por obra para a Globo. A decisão é, no mínimo, surpreendente. Afinal, se considerarmos as tramas que ela assinou sozinha, apenas duas das dez novelas de sua autoria não tiveram resultados de audiência considerados satisfatórios: o remake de “Pecado Capital” (1998) e “Travessia” (2022). Desde que escreveu “Barriga de Aluguel” (1990), Gloria Perez não apenas acumulou sucessos, mas também se destacou como uma das roteiristas mais preocupadas em inovar na teledramaturgia, introduzindo temas e universos inéditos em suas novelas, como a internet em “Explode Coração” (1995), a cultura muçulmana em “O Clone” (2001) e a imigração ilegal em “América” (2005).
Dar-se ao luxo de abrir mão do talento de Gloria Perez pode até ter razões financeiras, mas isso só se tornou uma decisão viável porque não há emissoras ou plataformas de streaming que representem uma ameaça real para a hegemonia da Globo nas novelas. Por mais que existam projetos com ótimos resultados, como “Pedaço de Mim” (Netflix) e “Beleza Fatal” (Max), os players que produzem ficção não conseguem fazer frente ao volume da produção da emissora da família Marinho, pois possuem um processo de aprovação e de produção mais lento.
Já as TVs abertas, como SBT e Record, parecem ter desistido quando o assunto é teledramaturgia. A Globo perde muito em não ter mais Gloria Perez entre seus funcionários fixos, não só por ser uma escritora criativa e arrojada, mas também por ser uma profissional experiente que poderia ser muito útil na formação de novos autores e colaboradores. Mas quem mais perde nessa história é o telespectador, que não sabe quando poderá acompanhar novamente um folhetim criado por Gloria Perez.