Mulheres que frequentam casas de forró no Brasil e na Europa denunciam um esquema de divulgação e venda de fotos e vídeos íntimos em grupos do Telegram. A Polícia Federal investiga os crimes de revenge porn, assédio sexual, lesão corporal e ameaça.
Créditos : G1
Uma investigação alarmante veio à tona, revelando um esquema de comercialização e disseminação não autorizada de imagens íntimas de mulheres que frequentam casas de forró, tanto no Brasil quanto na Europa. Os casos, que envolvem a divulgação e venda de fotos e vídeos privados sem o consentimento das vítimas, ocorrem em grupos na plataforma de mensagens Telegram. Neste ano, um número crescente de mulheres, precisamente doze, buscaram auxílio junto a um coletivo feminista, o qual formalizou as denúncias perante o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Sete dessas mulheres relataram que suas imagens íntimas, capturadas fora dos ambientes de espetáculo, foram indevidamente divulgadas em diversas plataformas de mídia social. Adicionalmente, cinco outras denunciaram episódios de assédio sexual e agressões físicas.
O Ministério Público Federal, ciente da gravidade das acusações, está acompanhando o caso de perto. As denúncias foram prontamente encaminhadas à Polícia Federal (PF), que iniciará uma investigação aprofundada para apurar os fatos. A PF, contudo, preferiu não se manifestar sobre o assunto, seguindo sua política de não comentar investigações em andamento. O MPF solicitou à PF a abertura de um inquérito policial, visando investigar os indivíduos envolvidos por potenciais crimes, incluindo revenge porn (pornografia de vingança), assédio sexual, lesão corporal e ameaça. Algumas vítimas conseguiram identificar seus algozes, enquanto outros permanecem desconhecidos.
De acordo com os relatos obtidos pelo G1, os incidentes não se restringem à capital paulista, abrangendo também cidades como Cotia, na região metropolitana, Rio de Janeiro e até Turim, na Itália. As vítimas relatam ter conhecido os abusadores em casas de shows, escolas de dança e festivais de forró. As vítimas identificadas pela Bancada Feminista do PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) apontam para grupos específicos no Telegram, como o “Cremosinhas da Putaria” e o “Vazadinhas Inéditas”, onde suas imagens foram ou poderiam estar sendo compartilhadas. A existência de pelo menos um desses grupos remonta a quase uma década.
Em entrevistas exclusivas, duas vítimas compartilharam suas experiências, mantendo o anonimato por razões de segurança. Elas relataram ter conhecido os agressores em casas e festivais de forró, estabelecendo relacionamentos que culminaram na captura e divulgação de imagens íntimas sem consentimento. Uma das vítimas descreveu o impacto devastador da descoberta: “Minha vida virou um inferno. Eu não dormia mais, já estava com crise de pânico, de ansiedade.” A vítima descobriu a existência do grupo “Cremosinhas da Putaria” através de um contato anônimo nas redes sociais, que a alertou sobre a divulgação de suas imagens e forneceu um print do grupo. O denunciante alegou ter visto as imagens no celular de um funcionário da produção de uma casa de forró, mencionando que o grupo existia há oito anos e cobrava uma taxa de adesão para acesso ao conteúdo.
A descrição do grupo “Cremosinhas da Putaria” revela seu propósito: compartilhar vídeos caseiros de mulheres consideradas “gostosas do forró para sexo fácil”. Os participantes frequentam casas noturnas na capital paulista, como Remelexo, Canto da Ema, Baile dos Ratos e Forró dos Ratos, Miliduki e Jai Club, além de outros locais na Grande São Paulo e festivais de forró em geral. As diretrizes do grupo exigem que os membros compartilhem “conteúdo adulto, com perfil, telefone, endereço” e prints de conversas com as mulheres, referidas como “presas”. O objetivo é coletar informações sobre as vítimas, incluindo suas “fragilidades”, para facilitar abordagens sexuais. Há relatos de que os membros fazem rodízio entre as mulheres, explorando seus momentos de vulnerabilidade.
Outra vítima, uma brasileira residente na Itália, também figura na lista de possíveis vítimas. Suspeita-se que um italiano e um inglês a filmaram e fotografaram sem consentimento, divulgando as imagens em um grupo do Telegram chamado “Vazadinhas Inéditas”. A vítima tomou conhecimento das imagens durante uma confraternização de trabalho, sofrendo assédio e convites indesejados. A descrição do “Vazadinhas Inéditas” é igualmente explícita, visando a divulgação de vídeos caseiros de mulheres do forró para fins sexuais. O grupo menciona locais como “Botão de Lisboa, Festivais da Europa em Geral, Peripécias do Anax e Casadas da Alemanha” e exige informações detalhadas sobre as vítimas, incluindo suas vulnerabilidades.
Outras vítimas relataram ter sofrido diversos tipos de violência, incluindo ameaças de morte e agressões físicas, além de assédio sexual durante a dança. As denúncias foram levadas à Bancada Feminista do PSOL na Alesp, que solicitou uma investigação ao Ministério Público Federal. A Bancada Feminista criou a Frente Fulô, uma iniciativa para conscientizar sobre a misoginia no forró e promover um ambiente seguro para as mulheres. A Frente Fulô planeja campanhas de conscientização em casas de show, festivais e eventos de forró.
Um relatório da SaferNet de 2024 revelou a existência de mais de 1,25 milhão de usuários do Telegram no Brasil envolvidos em grupos de venda e compartilhamento de crimes digitais, incluindo imagens de nudez e sexo vazadas sem consentimento. A SaferNet é uma organização não governamental que atua na defesa dos direitos humanos na internet. O Telegram foi procurado para comentar o assunto, mas não respondeu até o momento. As casas de forró citadas nos grupos também foram contatadas, com algumas delas se manifestando para repudiar as atitudes e reforçar seu compromisso com um ambiente seguro e respeitoso.
As casas de forró Remelexo, Canto da Ema, Baile dos Ratos, Forró dos Ratos, Miliduki e Jai Club foram citadas como locais de encontro dos membros dos grupos. Algumas das casas de forró já se manifestaram sobre o caso, repudiando as atitudes e reforçando seu compromisso com um ambiente seguro e respeitoso. A Giramundo, em São Bernardo do Campo, informou que é importante levar a sério esse tipo de denúncia e que é preciso cultuar um ambiente de respeito para combater o machismo que mata, o machismo que violenta, o machismo que silencia.