A resposta a um medicamento varia de pessoa para pessoa devido a fatores genéticos, fisiológicos e comportamentais. A farmacogenética busca personalizar tratamentos, mas, enquanto isso, a experiência médica é crucial para ajustar doses e garantir a eficácia dos medicamentos.
Já se perguntou por que um medicamento que aliviou os sintomas de um conhecido parece não surtir efeito em você, ou até mesmo provoca reações adversas inesperadas? Essa disparidade na resposta aos fármacos é um fenômeno intrigante, impulsionado por uma complexa interação de fatores biológicos e ambientais que tornam cada indivíduo um caso único.
A singularidade biológica de cada pessoa, moldada por sua composição genética, características fisiológicas e hábitos de vida, desempenha um papel crucial na forma como o organismo processa e responde aos medicamentos. O Dr. Salmo Raskin, renomado geneticista e diretor científico da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica), enfatiza que as diferenças individuais vão além da genética, abrangendo idade, peso, sexo, histórico de doenças e até mesmo alergias. Todos esses elementos influenciam a maneira como o corpo absorve, distribui, metaboliza e elimina os fármacos.
Após a ingestão, cada medicamento embarca em uma jornada complexa pelo organismo, envolvendo absorção, metabolização no fígado, distribuição pelos tecidos e, por fim, eliminação pelos rins. Embora o percurso seja universal, a velocidade e a eficiência de cada etapa variam significativamente entre os indivíduos. Essa variabilidade impacta tanto a eficácia do tratamento quanto a probabilidade de ocorrência de reações adversas, conforme aponta Patricia Moriel, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp e coordenadora do Grupo Técnico de Farmacovigilância do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo).
Estudos indicam que, embora a maioria das pessoas (50% a 75%) responda favoravelmente ao tratamento, uma parcela considerável pode não obter o efeito desejado, experimentar efeitos colaterais indesejados ou, simplesmente, não sentir qualquer impacto do medicamento. Essa heterogeneidade na resposta pode ser atribuída a diversos fatores fisiológicos, como a idade. Bebês e idosos, por exemplo, tendem a apresentar um metabolismo mais lento, o que pode prolongar o tempo de ação do fármaco e aumentar o risco de efeitos adversos. Por isso, as doses de medicamentos para esses grupos etários costumam ser menores.
O peso corporal também é um fator relevante, pois a distribuição do medicamento no organismo pode variar de acordo com a quantidade de gordura e músculos. Indivíduos com maior massa corporal podem necessitar de doses mais elevadas para alcançar o efeito terapêutico desejado, uma vez que o fármaco tende a se diluir em um volume maior de sangue e tecidos, conforme explica Maurício Yonamine, farmacêutico e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Além disso, o sexo biológico exerce influência devido às diferenças hormonais e metabólicas entre homens e mulheres. No entanto, um dos fatores mais intrigantes reside em nosso código genético. Embora compartilhemos 99,9% do nosso DNA, aquele 0,1% de variação pode fazer uma grande diferença na forma como metabolizamos os medicamentos. Diferentes pessoas produzem quantidades distintas de enzimas responsáveis por metabolizar os fármacos, conforme explica o Dr. Raskin.
Um exemplo é o gene CYP2D6, responsável pela produção de uma enzima que metaboliza diversos antidepressivos, analgésicos e outros medicamentos. Indivíduos com uma versão hiperativa desse gene podem eliminar o fármaco rapidamente, tornando-o ineficaz, enquanto aqueles com uma versão mais lenta podem acumular o medicamento no organismo, aumentando o risco de intoxicação. A farmacogenética, campo de estudo dedicado a investigar como as variações genéticas afetam a resposta aos medicamentos, busca desvendar esses mistérios.
Testes genéticos já são utilizados para personalizar tratamentos em áreas como oncologia e psiquiatria, identificando variantes em genes como CYP2D6, CYP2C19 ou SLCO1B1, que influenciam a eficácia e segurança de antidepressivos, anticonvulsivantes, analgésicos, anticoagulantes e estatinas. Esses testes também podem analisar características moleculares de tumores, permitindo indicar a terapia mais adequada para cada tipo de câncer.
O estado de saúde do fígado e dos rins, órgãos responsáveis por processar e eliminar os medicamentos, também é crucial. O fígado desempenha um papel fundamental no metabolismo da maioria dos fármacos, enquanto os rins atuam na filtração do sangue e eliminação dos metabólitos. A insuficiência hepática ou renal pode levar ao acúmulo perigoso de medicamentos no organismo, aumentando o risco de toxicidade.
Nossos hábitos diários, como alimentação, consumo de álcool e tabagismo, também podem interferir na ação dos medicamentos. O suco de grapefruit, por exemplo, pode inibir enzimas responsáveis pela metabolização de diversos fármacos, elevando suas concentrações no sangue e aumentando o risco de reações adversas. Laticínios podem prejudicar a absorção de certos antibióticos, enquanto o álcool pode potencializar a ação de sedativos e sobrecarregar o fígado. O tabagismo, por sua vez, pode acelerar o metabolismo de alguns medicamentos, reduzindo sua eficácia.
A interação medicamentosa, ou seja, o uso concomitante de outros fármacos ou suplementos, também pode alterar a resposta a um tratamento, intensificando ou diminuindo o efeito do medicamento principal, levando a novos efeitos colaterais ou intensificando os existentes.
A farmacogenômica, que busca combinar o conhecimento genético com a prescrição de medicamentos personalizados, representa o futuro da medicina personalizada. Pesquisas recentes indicam que as reações adversas podem ser reduzidas em cerca de 30% quando as doses dos medicamentos são adaptadas ao DNA do paciente. Apesar dos avanços nessa área, ainda não é possível prever a resposta de todos os medicamentos com base no DNA, mas é uma promessa que está se concretizando gradualmente.
Enquanto o futuro não chega por completo, médicos e farmacêuticos continuam combinando ciência e experiência para ajustar doses, acompanhar o paciente e garantir que o remédio, de fato, faça bem.